Ana Meireles

 

De entre os mil sonhos havidos voar foi, por certo, o nosso sonho mais louco, mas perseguimo- lo porque o céu andou sempre embrulhado em doces mistérios e atrelado a milagres redentores.

Assim, olhámos para os pássaros a desenharem no espaço a proeza dos seus voos, a galgarem o ar em piruetas e outras poéticas acrobacias, acreditando que só as asas nos poderiam abrir as portas do céu. E abriram, pois foi com elas que, um dia, a Utopia deixou de o ser: Voámos! Primeiro em voo raso, como os pardais, depois bem junto às estrelas.

Então o mundo dividiu-se: de um lado ficou o céu, para onde se haviam dirigido os nossos sonhos, e do outro ficou o chão, o chão da terra, das árvores, das casas…E as pessoas dividiram-se também: de um lado ficaram as que estavam presas às raízes, e do outro as que estavam prontas a partir.

Na exposição “Lições de Voo” JVC coloca-nos do lado das pessoas que estão prontas a partir, fazendo-nos sentir uma alegre emoção, como se fosse a primeira vez que o vento harpa as nossas asas, que as desata e nos desata das raízes, mostrando-nos que estamos sempre a tempo de descobrir novos roteiros no céu, esse lugar onde os sonhos podem ser maiores, pois é lá de cima que se avista o mundo com todos os seus possíveis impossibilíssimos.

Seleccionando as personagens para esta exposição como quem escolhe as palavras com que se faz o poema, JVC presenteia-nos com uma espécie de amigos para o caminho do ar, criaturas estranhas mas, ao mesmo tempo, banais, que jogam na tela a sua redonda e colorida presença.

Olhando-as, neste mundo do lado de cá, percebemos que a elas estamos ligados por um fio e que juntos vamos ser protagonistas de singulares aventuras. Melhor que tudo, descobrimos em nós, ao mesmo tempo, o vínculo essencial que nos une ao mundo do chão, do chão da terra, das árvores, das casas… mas também o anel libertador que nos pode transportar, em estranhas embarcações largadas ao vento, para o lugar do sonho e de novos horizontes .

E passamos a acreditar, nem que por momentos, que não há nada de mais legítimo, de mais sublime, que sonhar.

“Lições de Voo” é uma exposição que nos atinge pelo lado do coração e do sonho, e é, precisamente, nesta magia do sensível, neste compromisso, que JVC mais nos encanta.

E se um poeta cantou as virtudes de “ter um dever e não o fazer” percebemos que JVC faz do seu dever, ou seja, do seu ofício de pintor, o maior dos seus e dos nossos prazeres.

 

Ana Meirelles

Janeiro 2017