Nuno Casimiro

 

Quando ninguém está a ver

 

Esta podia ser a reportagem sobre os habitantes de um prédio comum. Eis os seus moradores contra a planura do quotidiano. São pessoas de brincar que vão ajeitando as cabeleiras e a posteridade, essa que nos há-de devolver a imagem que queríamos mostrar.

De olhos fechados ou sorriso aberto: bichos, gente e coisas a equilibrarem-se uns aos outros.

Depois do assombro do primeiro contacto, não é difícil pensar que as criaturas normais não têm nada de excepcional. Tirando as pequenas manias, claro, e as pompas de cada um, ilustradas desde há muito pelo João Vaz de Carvalho. Eis a normalidade da exuberância, a casa dos nossos amáveis fantasmas. Um mundo que replica as aparências que nos comprimem, mas soltando-lhe a pose. É um jogo de desmontar, a cambalhota que nos restitui a vida por dentro dos objectos e dos seres quando se lhes retira a maquilhagem. Ou a adultice, se preferirem, essa disfunção que é o tempo a amputar-nos a capacidade de ver a cores e sem filtros.

Os desenhos e quadros do João assombram porque não se encheram da seriedade que esconde e estorva a simetria, o que não significa qualquer redução à infantilidade, apenas uma sincera bonomia ou crueldade, conforme a vida que se nos depara.

Nestes retratos de prédio à espera de uma história, ou será antes um bairro tranquilo?, a singularidade dos vizinhos alimenta-se da vaidade que impele ao retrato. Para quê retratar(-se) senão para mostrar o que de mais interessante se tem? O nosso nariz comprido, geminado, alinhado ou curvado em parentescos. A nossa imagem num reverso, num processo, do avesso.

Eis o mundo que nos calhou, despido pelo João Vaz de Carvalho para que nos vejamos melhor. Sorriamos, portanto, em uníssono e em cascata, de perfil ou inclinados. Para onde olhamos quando ninguém está a ver?

 

 

Nuno Casimiro

Novembro 2014