Claudio Hochman

 

Uma palavra travessa escapou-se dum livro e meteu-se num quadro. O pintor tentou apagá-la, mas não conseguiu. Pintou a palavra com tinta branca, mas no dia seguinte a palavra sobrevivia. O pintor falou com ela, ralhou com ela, mas a palavra insistia em lá ficar, imaculada. E a sua presença determinou tudo. O pintor não teve outra alternativa senão fazer os seus desenhos à volta dela. Depois apareceu outra palavra, e logo outra, e depois outra. Os desenhos tiveram que se adaptar. Se a palavra era vento os desenhos voavam, se a palavra era luz os desenhos iluminavam-se, se a palavra era flor os desenhos floresciam. Quando os quadros já estavam terminados, as palavras começaram a mudar de cor. O pintor não sabia se era porque estavam envergonhadas ou porque estavam a gozar com ele.  

 

Um desenho mete-se no texto. Imprime a sua figura, fala com o escritor, orienta o sentido do texto. Escolhe as letras, as sílabas, as palavras, as frases. Empurra com força e desarruma, muda o sentido, pisca um olho e senta-se a descansar. O escritor não quer desenhos, quer que as palavras cheguem limpas aos olhos do leitor, quer que o leitor invente os seus próprios desenhos. O escritor tenta apagar o desenho, mas o desenho luta com unhas e dentes e permanece. Quer morar com as palavras. Quer que sejam o seu abrigo.

 

Palavras e desenhos convivem e já sabem que a convivência não é tarefa fácil. Discutem, trocam olhares ameaçadores, insultam-se, entram numa luta que faz faíscas, mas terminam abraçados sabendo-se imprescindíveis um para o outro. Depois empreendem uma viagem. Paris é o destino. Sobem a Torre Eiffel e desde lá de cima, observam. Carros que passam, um carrossel que gira, pontes que unem e desunem, pessoas como formigas a fazer filas para comprar nada, bicicletas, jardins maravilhosos. E desde lá de cima decidem que juntos vão habitar esses jardins impossíveis, esses jardins flutuantes, esses jardins imaginários, esses jardins interiores, jardins onde só se pode brincar e beijar quem se ama.

 

Claudio Hochman